Irritado
Talvez essa seja a palavra do dia, do mês... ou da vida.
Por mais que eu tente — e juro que tento —, não há como fugir de me pegar irritado, cansado, exausto.
E sei que é muito fácil julgar uma pessoa com deficiência por ser intensa, irritada, explosiva, ou por não aceitar viver em um sistema falido, dentro de uma sociedade hipócrita e superficial.
Lei de cotas... que cota o ser humano, transforma pessoas em números, e faz da primeira avaliação o seu estado físico — o seu CID define se você “entra” ou não na lei.
Desculpa, mas eu realmente não sei para que essa lei existe.
Aliás, nem mencionei que, na grande maioria dos casos, somos contratados apenas para que as empresas não paguem multa — e ainda oferecem vagas que melhor nem comentar.
Entretanto, se buscamos auxílio no INSS, nunca sabemos qual caminho seguir.
Se você depende de alguém, a renda dessa pessoa entra na contagem e vira desculpa para te negar o benefício.
Mas, se você mostra que é independente, dizem que pode trabalhar.
O que esperar de um país onde o princípio parece ser “roubar”?
Tentei abrir uma empresa.
Sabe quantos benefícios, apoios ou empréstimos para capital de giro recebi para começar?
Nenhum.
Mas vamos falar sobre quanto custa uma cadeira de rodas?
Uma muleta? Uma bota ortopédica?
Ou quanto custa adaptar um carro?
Vamos abordar também a qualidade da acessibilidade para uma pessoa com deficiência ir e vir — como é de direito — ou será que é melhor falar da “lei da inclusão”, que mais parece uma lei da exclusão?
Fecharam escolas especializadas, como as que eu frequentei, para “incluir” pessoas com deficiência em salas com quarenta alunos — ou melhor, quarenta vândalos, porque hoje em dia muitos não querem estudar, só brigar ou ficar no celular.
Só eu sei o que sofri para concluir o colegial.
Mas também não posso culpar apenas os políticos, quando em muitas festas familiares as pessoas só sabiam perguntar se eu estava com fome — como se fosse a única coisa que importava.
A superficialidade dessa sociedade preconceituosa vem de berço.
E vem também de uma educação precária, onde os maiores preconceitos que sofri — e ainda sofro — foram em unidades de saúde, e logo em seguida, quando tentei comprar alguma coisa.
Portanto, por mais errado que pareça, eu me pego sim irritado, cansado.
E fiz, sim, uma vakinha que, depois de meses, tem apenas cinco reais.
Mas fiz com esperança.
Esperança de que algo mágico aconteça — que caia um valor que me permita pagar algumas coisas, cuidar da minha saúde e, quem sabe, voltar lá pro interior…
No meio do mato.
Longe de tudo isso.